7 de novembro de 2013

Haddad tenta aumentar IPTU, mas Justiça barra

Diário de São Paulo, 7/11/2013, por Fernando Zanelato

O prefeito sanciona a lei que reajusta o imposto mesmo após a decisão contrária do Poder JudiciárioDIÁRIO DE S. PAULO

O prefeito Fernando Haddad (PT) até tentou reajustar o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) em uma canetada, mas foi, pelo segundo dia consecutivo, desautorizado pela Justiça. Na terça-feira à noite, mesmo após o juiz Emílio Migliano Neto, da 7 Vara da Fazenda Pública, conceder uma liminar impedindo o aumento, Haddad mandou promulgar a lei na edição de ontem do “Diário Oficial da Cidade”.

Na prática, os novos valores estariam valendo, não fosse uma nova decisão do mesmo magistrado, à tarde, que suspendeu os efeitos da lei promulgada horas antes.

O pedido tinha sido feito pelo promotor de Habitação e Urbanismo, Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, que contestou como o projeto foi aprovado na Câmara Municipal – na opinião dele às pressas e sem publicidade. Ribeiro Lopes não entra no mérito dos percentuais do aumento, de até 20% para imóveis residenciais e até 35% para os comerciais, mas diz que o governo agiu contra a coletividade, impedindo a população de discutir o assunto em audiências públicas para aprovar o aumento na calada da noite. O projeto foi colocado em votação sem que estivesse na chamada “ordem do dia”.

Lopes classificou a canetada de Haddad como “um atentado à dignidade da Justiça”. “Para mim, isso é uma sanção ilegal. Não havia nenhuma necessidade em atentar a dignidade da Justiça dessa maneira. Ele quer criar um fato consumado onde não há oportunidade para isso, passando por cima de decisão judicial”, criticou.

Haddad tentou minimizar o mal-estar com o Judiciário dizendo que a Prefeitura não foi notificada a tempo de mandar parar a impressão do “Diário Oficial”, argumento também contestado pelo Ministério Público. “Nós não estamos no tempo em que as notícias caminham em lombo de burro. Foi anunciado o ajuizamento, a liminar foi amplamente divulgada. Não é sensato fazer uma coisa dessas, é uma afobação inútil”, respondeu Lopes.

Hoje o governo perderia a votação

Dada a forma como o governo tratou esse assunto, a forma truculenta que desrespeitou o regimento da Casa, desrespeitou a opinião pública porque ele sabia que tinha uma grande movimentação na quarta-feira de manhã aqui na Câmara, hoje ele seria derrotado. Estão fazendo uma caça às bruxas contra os 26 vereadores que votaram contra o projeto, demitindo apadrinhados. Eles perderam sustentação, estão em crise com a base, perderam o PMDB. O placar hoje seria invertido: 29 contra o aumento e 26 a favor.

Antes de a Justiça conceder a segunda liminar que proibiu o aumento do IPTU, o prefeito Fernando Haddad afirmou, ontem de manhã, que a intervenção do Judiciário no assunto iria prejudicar “a metade mais pobre da cidade”. Ao dizer que vai recorrer da decisão, o petista insistiu no argumento de que a revisão do IPTU era obrigatória, necessária e não penaliza os contribuintes de baixa renda.

“A decisão prejudica a metade mais pobre da cidade. O reajuste beneficia a parcela mais pobre que ou pagará menos do que anos anteriores ou terá o reajuste menor do que a inflação”, defendeu o prefeito.

A liderança do PT na Câmara e a presidência da Casa, em uma nota conjunta, disseram que a liminar não suspende o processo de votação. Para a legenda, que também comanda o Legislativo com o vereador José Américo, a contestação do Ministério Público “representa uma postura imprópria em que a Câmara sequer foi ouvida”. “Isso gera uma incerteza jurídica sobre as decisões soberanas do plenário do Parlamento”, escrevem na nota.

A Câmara reafirmou também que “quando houver a notificação sobre o processo, vai analisar os argumentos e adotar as medidas pertinentes ao caso”.

Juiz explica erro de português no despacho

O juiz Emílio Migliano Neto, da 7 Vara da Fazenda Pública, que concedeu as duas liminares contra a Prefeitura, explicou, na decisão de ontem, o erro de português cometido na palavra sanção no despacho de terça-feira. “Na decisão que proferi concedendo a liminar, grafei a palavra ‘sansão’, quando o correto é sanção. Fica aqui o registro em homenagem ao dever de expressar corretamente nossa língua portuguesa. O fato deste magistrado ter judicado por quase 15 anos na Justiça Criminal, onde a palavra ‘sansão’ era diariamente utilizada em suas decisões e sentenças, não tem o condão de justificar o lapso”, diz.

Base aliada tentou evitar protestos

Após ser massacrado, em junho, na tentativa de reajustar a passagem de ônibus em R$ 0,20, o prefeito Fernando Haddad apressou a votação do aumento do IPTU na Câmara para evitar justamente novas manifestações. Por isso a decisão de antecipar em uma dia a discussão do texto, marcada inicialmente para o dia 30 de outubro, mas que acabou acontecendo na calada da noite do dia 29.

Aposentadas que moram no bairro do Alto de Pinheiros, na Zona Oeste da capital, estão amargando o aumento do IPTU. A região está entre as que vão ter um reajuste inicial de 20%. As moradoras pagam as contas com dinheiro de proventos, como aposentadoria e poupança, e a renda que pode ficar ainda mais comprometida com o imposto.

A presidente da Saap (Associação de Amigos do Alto de Pinheiros), Maria Helena Bueno, de 70 anos, mora há 14 anos no bairro e paga, atualmente, R$ 30 mil por ano de imposto no dois terrenos que sua casa ocupa. “Minha aposentadoria é de R$ 5 mil. Vivo com a poupança que fiz durante toda a vida com o meu marido, que já faleceu. Metade da aposentadoria vai para o IPTU. Não é justo”, conta a presidente.

A aposentada Maria Augusta Menezes, de 83 anos, mora há 50 anos na mesma casa e afirma que o aumento é abusivo. “Aumentos de impostos sempre trazem algum tipo de sofrimento”, queixa-se.

A advogada da Saap, Vera Resende Vidigal, também moradora do bairro, afirma que a vizinhança quer uma nova votação na Câmara Municipal, mas de dia, para que a voz da população possa ser ouvida. “Não podem votar algo desse porte longe do clamor popular. A população está se sentindo desconfortável com o aumento”, diz Vera.

Segundo a advogada, foi entregue na Prefeitura de São Paulo um abaixo-assinado com 35 mil assinaturas contra o reajuste.